Mulheres da Minha Vida

Criei este blog, como complemento da comemoração dos meus 40 anos, que acontece este ano no dia 20 de setembro, aqui pretendo colocar os depoimentos de pessoas que fizeram e fazem parte da minha vida de maneira especial. Desde o fim de 2009, venho me empenhando para reunir os depoimentos de 40 mulheres para colocar num livro e agora que os tenho, quero partilhá-los com outras pessoas também.

Talvez muitos dos meus amigos perguntem, assim como meus irmãos já me perguntaram, mas por que não os homens também?? A resposta é simples, estou num momento muito especial de minha vida. E a vida me foi dada por uma mulher, claro que com a contribuição de um homem, mas a minha mãe teve um papel fundamental neste processo e quero valorizar a mulher.

Sou mulher, negra e feliz por ter a oportunidade de ter chegado até aqui!

Tenho certeza que depois da criação do blog, outras me escreverão. E estes terão um registro aqui.

E talvez seja um incentivo para aquelas que não escreveram, ainda me encaminharem algo. O material ainda não está pronto e acabado, contribuam com fotos e outros meios criativos.

Mas seja rápida, pois senão vai ficar de fora da comemoração!

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Clécia, uma história de resistência


Sou Clécia da Silva Florêncio, tenho 35 anos, nasci em Caruaru, PE, sou filha adotiva. Quando nasci, meus pais biológicos queriam me deixar no hospital e um dos tios paternos quis me adotar com sua esposa. Como essa história é um pouco confusa, vou tentar resumi-la. Meu pai adotivo era casado com uma sobrinha dele que, por coincidência, é minha meia irmã. Supondo que não poderiam ter filhos, principalmente por causa do parentesco, quiseram me adotar. Logo depois disso, ela engravidou do meu irmão, que é meu primo e sobrinho também. Após três anos de casados, minha mãe adotiva nos abandonou. Ficamos, então, com meu pai e minha avó - falecida em dezembro de 2007. Nossa infância, apesar de um pouco traumática, foi boa. O pai e a vó sempre zelaram por nós. Sei que sempre demonstrei uma revolta maior, mas esta nunca foi por eu ter sido adotada, esse fato, aliás, nunca me causou frustração.

Meu pai (João) nunca foi um homem de expressar carinho, porém o que me faz ser apaixonada por ele é o fato de ele ter sido sempre um guerreiro, sempre trabalhou duro para não faltar o essencial, trabalhava à noite, pagava aluguel e ainda tentava estudar, pois, desde os cinco anos de idade, trabalhava na roça. Além disso, perdeu o pai muito cedo, e o pai dele tinha tido outra família que não ajudava ninguém. Quando meu avô morreu, seus filhos da outra família tomaram tudo da minha avó e dos meus tios. Meu pai, às vezes, fala que o único irmão que de vez em quando o ajudava era o meu pai biológico, o que me deixa um pouco confortada. Meu pai adotivo diz que muito me pareço com ele quando tento ajudar as pessoas. Eu diria que me pareço com meu pai adotivo, pois toda a minha militância pautei na figura dele: ele era operário e metido com sindicato e comissão de fábrica e, apesar de não ficar muito em casa, aquilo, não sei por que, não me deixava com raiva, pelo contrário. Ele dizia que queria que meu irmão fosse político, que política era negócio pra homem e, como sempre fui apaixonada por ele, me encantava com as coisas de que ele falava, das greves, do direito que as pessoas tinham que ter de fazer suas próprias escolhas, dos piquetes que impediam os pelegos de trabalhar. Achava tudo muito legal e divertido. É claro que eu não tinha noção do perigo que era, mas aquilo me marcou e encantou profundamente a ponto de sonhar com o dia em que seria uma operária, mas é evidente que nunca realizei esse sonho. Fiz vários testes e não passei em nenhum rsrsrsrsrs. Aos treze anos trabalhei na feira; depois, dos 14 aos 19, trabalhei em uma loja, onde era explorada. Fazia tudo, da faxina às compras em São Paulo, além de tomar conta do dinheiro. Vida dura, pois trabalhava de domingo a domingo. Chegava em casa, lavava minha roupa para depois ir à igreja onde, também, desde os treze anos, participava de um grupo de jovens, o june (jovens unidos na esperança). Foi ali que comecei a trilhar meu caminho na igreja católica. Hoje sei que aquele grupo era da renovação carismática e não tinha nada a ver com a Pastoral da Juventude, com o movimento pelo qual sou apaixonada até hoje. Conheci a PJ através do Zé Antônio, outra presença muito marcante na minha vida, uma pessoa que sempre foi extremamente apaixonada pela luta, pela cidadania e pela PJ, movimento que ele revolucionou na nossa paróquia, cidade e diocese. Afirmo isso, porque antes dele o que fazíamos era adoração a Maria e ao Santíssimo e algumas reuniões a cada três meses. Nunca nos misturávamos com os outros jovens, pois éramos da favela e considerávamos os jovens da matriz uns metidos esnobes e elitizados, pelo menos quase todas as comunidades achavam isso.

Mas a partir do Zé Antônio, tudo mudou para melhor. Ele conseguia agregar toda a juventude; conseguiu revolucionar as atividades, conquistando mais e mais pessoas. Claro que eu não posso deixar de citar outro amigão, o Paulinho. Tive a sorte de conviver na PJ com os dois sem queimar nenhuma etapa de participação nas instâncias pjoteiras. Fui aprendendo pouco a pouco o que é participação popular, cidadania, luta por direitos humanos e políticas públicas para a juventude, uma luta constante. Conheci também o Edson que foi por mais de 14 anos parte da minha vida, caminhando lado a lado comigo na PJ, no PT e na vida, pois namoramos e casamos. O casamento não deu certo, mas aprendi com ele o segredo de uma verdadeira cumplicidade e amizade. Hoje estamos bem afastados, mas não me esqueço de sua ternura e dedicação.

Eu nunca fui uma pessoa ligada à família, sempre fui muito dedicada às pessoas, ao próximo. Nunca tive privacidade nem para namorar, mas também nunca reclamei, afinal de contas eu fiz essa escolha e posso dizer que nunca, em momento algum, me arrependi por isso, de me colocar a serviço do outro. Pelo contrário, acho que ainda fiz pouco.

Atualmente estou afastada das minhas atividades porque em 2008 tive um tumor de 16 cm na medula. Fui operada e depois de um diagnóstico desfavorável, depois de fazer fisioterapia, andando lentamente para não depender muito dos outros, depois de ter sido cuidada por amigos que nem acreditamos que temos, ganhei a certeza de que Deus retribuiu em dobro o que fiz a outras pessoas.

Como apontei acima, muita gente marcante passou pela minha vida: toda a minha família que, mesmo sem muito da minha atenção, nunca me recriminou por eu ser assim, pelo contrário, sempre aceitou; meus amigos muito fofos, o Zé Antônio, o Paulinho, referências para a eternidade, e, nessa caminhada, conheci também a Ana Claudia, essa, sim, amiga também para todas as horas de agonia, angústia, partilha. Porque ter amigo homem tem algumas desvantagens, por exemplo não dá para fazer nenhuma fofoquinha rsrsrrsrsrs. Não quero dizer com isso que a Ana seja fofoqueira, heim? Quero dizer que com ela dá para falar de intimidade, de meninos, das coisas pastorais entre outras. Duas coisas me marcaram muito: sempre achei a Ana uma pessoa espetacular, inteligente, pra cima, divertida e achava que ela devia ser metida a rica, depois de tantas graduações, mas não, ela era e é muito humilde. Nos tornamos grandes amigas e ela até dormiu na minha casa. Para mim isso era o máximo, não pelo status que ela representava, mas pelo fato de ser tão humilde. Um outro fato que marcou muito minha vida foi o encontro nacional da PJ na Bahia. Lá nós brigamos feio por pontos de vista diferentes sobre a Romaria da juventude. Nós, da diocese de Santo André, sempre fomos muito metidos, sempre donos da razão e como não poderia ser diferente, discuti feio com a Ana. Foi uma discussão feia e, ao mesmo tempo, inútil. Mas é claro que a amizade sempre foi maior, fizemos as pazes e nos tornamos, por um período, amigas inseparáveis. É uma pena que esteja tão longe, porque a Ana é uma amiga que deixa a vida das pessoas mais iluminada, tem sempre uma resposta otimista, uma frase de consolo e sempre vê a necessidade alheia. É sempre os outros na frente dela; se der, ela resolve os problemas dela depois, o próximo é sempre prioridade.

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