Mulheres da Minha Vida

Criei este blog, como complemento da comemoração dos meus 40 anos, que acontece este ano no dia 20 de setembro, aqui pretendo colocar os depoimentos de pessoas que fizeram e fazem parte da minha vida de maneira especial. Desde o fim de 2009, venho me empenhando para reunir os depoimentos de 40 mulheres para colocar num livro e agora que os tenho, quero partilhá-los com outras pessoas também.

Talvez muitos dos meus amigos perguntem, assim como meus irmãos já me perguntaram, mas por que não os homens também?? A resposta é simples, estou num momento muito especial de minha vida. E a vida me foi dada por uma mulher, claro que com a contribuição de um homem, mas a minha mãe teve um papel fundamental neste processo e quero valorizar a mulher.

Sou mulher, negra e feliz por ter a oportunidade de ter chegado até aqui!

Tenho certeza que depois da criação do blog, outras me escreverão. E estes terão um registro aqui.

E talvez seja um incentivo para aquelas que não escreveram, ainda me encaminharem algo. O material ainda não está pronto e acabado, contribuam com fotos e outros meios criativos.

Mas seja rápida, pois senão vai ficar de fora da comemoração!

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Thaís, uma história de igualdades


Meu nome é Thaís Helena da Silva Freitas. Nasci em Santo André, no mesmo dia do aniversário da Ana Cláudia, dia vinte de setembro, mas um pouquinho depois, pois o meu ano de nascimento é mil novecentos e setenta e quatro. Nasci num hospital público chamado Pró Mater. Foram três dias de internação para a minha mãe, e um parto fórceps para mim, com oito meses de vida uterina. Quando nasci, eu não tinha berço e dormia em duas cadeiras postas uma de frente para a outra. Sou filha de uma trabalhadora rural que se tornou empregada doméstica e depois costureira e de um Office boy, que se tornou técnico em óptica e depois dono de óptica. Aprendi muito cedo a ouvir música boa e de qualidade e a amar as pessoas pelo que elas são e não pelo que elas têm ou não têm. Sou batizada católica e me tornei católica na adolescência, quando resolvi que deveria ser crismada. Esse evento aconteceu sete dias depois que eu encontrei o homem da minha vida, meu marido, há dez anos, num encontro da Pastoral da Juventude. Foi nesse encontro que o meu caminho, o do meu marido, o da Ana Cláudia e o dos melhores amigos que a vida poderia me dar, se cruzaram. Abracei a Pastoral da Juventude, o Márcio, meu marido, e a vida que decidimos viver pela causa de um novo céu, uma nova terra. É verdade que fui apresentada à Pastoral da Juventude já em 1989, num grupo de base, numa CEB – Comunidade Eclesial de Base. Vivi essa experiência muito cedo e por pouco tempo nessa ocasião. Foi de fato em mil novecentos e noventa e nove, já com quase vinte e cinco anos completos, que abracei com toda a minha vida a causa da libertação dos pobres.
Fui muito feliz nessa escolha, exceto pelo meu eterno dilema em querer ser médica... Essa página eu virei da minha vida, pois não era possível conciliar esse sonho com tantos outros que eu trazia comigo. Abandonei um sonho, abracei outros e vivi pesadelos também, tal como foi o episódio da minha depressão em dois mil e seis, quando a minha filhinha tinha apenas sete meses de idade. Ninguém poderia dizer ao certo de onde veio aquele quadro. O fato é que eu sofri, fui medicada, fiz o tratamento e aqui estou. Diferente agora depois disso. Os médicos dizem que são necessários dois anos de tratamento medicamentoso para espantar esse quadro de depressão, eu digo que precisarei da vida inteira ainda.
Meu pai morreu muito cedo. Ele tinha apenas quarenta e nove anos. Ele morreu vítima de um tumor cerebral até hoje fora de possibilidades de tratamento. Ele não conheceu meu marido, não viu o meu casamento e nem sabe o quanto a minha filha, a Maria Luiza, é adorável. Aprendi muito com ele. A maior herança é a música, a arte, a busca pelo conhecimento. Ele não viajou de avião, mas sonhava com isso. É muito triste ver alguém ir embora tão cedo e com tantos sonhos ainda.
A morte do meu pai me fez ver que a vida é agora. Que temos que simplesmente ser tudo o que podemos ser agora. Não há amanhã ou ontem. Temos o agora e isso deveria nos bastar para sonhar coisas boas e relembrar e aprender com o que passou. Nada mais que isso.
Acho que ninguém em casa se recuperou dessa perda.
Acho que não precisamos nos recuperar dela também. Ela existe e pronto. Vivamos.
Minha mãe é adorável e irritante. Ela tem o coração maior que o mundo, mas grande também parece ser a dor que ela traz nesse coração. A vida dela não foi fácil e não é fácil ainda. Eu queria jogar purpurina nos dias dela, mas essa tarefa não parece possível. Talvez ela varresse a purpurina toda, sei lá. Foi muito pobre desde sempre. Foi trabalhadora rural desde os seis anos. Veio para Santo André com a família, emigrando de Poços de Caldas, em Minas Gerais, aos quatorze anos. Em Santo André trabalhou de empregada doméstica até conseguir um emprego como costureira na região da José Paulino, onde trabalhou até se casar com o meu pai, em mil novecentos e setenta e três, no dia vinte e dois de dezembro.
Dela herdei o amor à culinária, à costura, ao artesanato, à casa cheia de gente e um profundo senso de solidariedade. Muitas vezes acompanhei minha mãe em visitas às famílias que eram ainda mais pobres que nós. Há sempre um idoso amparado por ela. Há sempre uma criança precisando de ajuda e recebendo dela. Há sempre uma família sendo protegida e ajudada por ela. Minha mãe é capaz de sair de madrugada para levar um vizinho ou até o animal de estimação do vizinho ao médico. Não tem fim a sua dedicação ao próximo!
Tenho dois irmãos. A minha irmã, a Tânia, é dois anos e meio mais nova que eu. Ela é a minha mãe escritinha. Do mesmo jeitinho, com exceção da costura – isso ficou só para mim. Meu irmão, o João Luiz, sete anos mais novo, é igualzinho ao meu pai. Toca violão e ama música tanto quanto ele. É objetivo e confuso ao mesmo tempo.
Eu sou um pouco da minha mãe, um pouco do meu pai, um pouco dos meus irmãos, da minha filha, do meu marido, dos meus amigos. Reinvento-me sempre. Gosto de aprender. Gosto de bons exemplos e entre tantos destaco a Ana Cláudia.
Com ela aprendi que é possível ousar e acreditar nas coisas com a inocência das crianças. Ela sempre criou mega eventos para a Pastoral da Juventude e envolveu a todos nessas “emboscadas”. Até a sua família estava sempre envolvida em tudo.
Não havia quem não conhecesse a Ana Cláudia na Pastoral da Juventude e as suas incríveis camisetas e bugigangas da PJ! Ela chamava isso de epidemia e fomos todos contagiados! O casamento dela foi um evento da Pastoral da Juventude! Foi lindo, emocionante, um conto de fadas! Todos os sobrinhos da Ana participaram da celebração em traje de gala. Meu marido fotografou todos eles! O Ralf não continha a felicidade. E ele precisava estar muito feliz mesmo, pois em lugar nenhum do mundo encontraria alguém como a Ana Cláudia, capaz de transformar tudo e todos ao seu redor sempre que acreditasse no que faria.
Ela acreditou na Pastoral da Juventude, nos amigos que fez, entre os quais me incluo. Acreditou que o amor entre um homem e uma mulher poderiam transpor o oceanos, os continentes, os costumes, os idiomas distintos e foi viver a sua história de amor!
Ela aprendeu a amar em português e a declamar esse amor em alemão. Falamo-nos muito pouco nos últimos anos, uma pena. Não tivemos a oportunidade de comemorarmos o nosso aniversário numa festa nossa, e olha que estivemos muito próximas por quase dez anos! Uma pena também. Agora a Ana completará quarenta anos e eu acendo uma das velas do bolo com um pouco de mim para ela.
Ana, não estou aí agora, mas estamos juntas sempre, pois tenho você comigo como a amiga querida que a vida me deu. Canto desde já um animado parabéns a você e espero que nessa data querida toda a felicidade do mundo se coloque a sua disposição numa bandeja.
Thaís Helena da Silva Freitas – trinta e cinco anos de vida – casada com o Márcio há quase dez – mãe da Maria Luiza há quase cinco!

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